Teto de gastos: entenda norma que novo governo quer alterar para garantir benefícios sociais

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Teto de gastos: entenda norma que novo governo quer alterar para garantir benefícios sociais

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Os primeiros dias de trabalho da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foram dedicados, em grande medida, à meta de viabilizar a manutenção do programa Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) em R$ 600, além de arrumar dinheiro para cobrir outros gastos sociais e cumprir promessas de campanha, como o aumento real do salário mínimo.

O desafio é como fazer isso sem furar o teto de gastos.

Mas, afinal, o que é o teto de gastos?

Proposto em 2016 pelo então presidente Michel Temer, quando a área econômica era chefiada por Henrique Meirelles, e em vigor desde 2017, o mecanismo impõe um limite no valor que o governo federal pode gastar a cada ano.

Por essa regra, o crescimento da maior parte das despesas públicas fica limitado à inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior. O teto de gastos inclui também os chamados “restos a pagar” de orçamentos de anos anteriores. A norma engloba as despesas da União, incluindo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de Ministério Público da União e Defensoria Pública.

Entenda abaixo o teto de gastos a partir dos seguintes tópicos:

  1. Norma para controlar finanças
  2. Incerteza e taxa de juros
  3. Auxílio Brasil fora do teto
  4. R$ 794 bilhões fora do teto no governo Bolsonaro
  5. Saúde e Educação
  6. Mudanças no governo Bolsonaro
  7. Rigidez do teto e ‘cláusula de escape’

1. Norma para controlar finanças

Quando o teto de gastos foi criado, a equipe econômica justificou a medida como uma forma de controlar o rumo das finanças do governo. O Brasil gastava mais do que arrecadava, passou a acumular déficits primários sucessivos (gasto acima da arrecadação, excluindo os juros) e viu a dívida crescer.

Em 2015, por conta da piora nas contas públicas, o Brasil perdeu o grau de investimento – uma espécie de ‘selo de bom pagador’ e que assegurava a confiança dos investidores internacionais na economia brasileira. O teto de gastos surgiu para controlar o crescimento da dívida e dar previsibilidade sobre as contas públicas.https://11d304ce89bd51bcd49c6116501bf714.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html

Já na criação do teto, no entanto, havia exceções a ele, como nos casos de transferências constitucionais aos estados, municípios e Distrito Federal e nas complementações ao Fundeb, fundo voltado para a educação básica.

2. Incerteza e taxa de juros

Contas públicas sob controle permitem que a taxa básica de juros da economia, a Selic, seja mais baixa – já que o governo é visto como ‘bom pagador’. Com juros menores, é possível investir mais na economia, gerando mais crescimento e empregos.

Sem uma âncora fiscal clara, em períodos de discussão de mudanças no teto fiscal, a economia brasileira já enfrentou períodos de incerteza, com desvalorização do dólar em relação ao real.

Na manhã desta quinta-feira, o dólar operava em alta, com cautela do mercado pela proposta apelidada de “PEC da Transição”, que prevê flexibilizar o teto de gastos.

3. Auxílio Brasil fora do teto

Em 16 de novembro, a equipe do governo eleito foi ao Congresso entregar a sugestão de texto para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição (veja os principais pontos). O plano é viabilizar o pagamento do Bolsa Família no valor de R$ 600 a partir de janeiro. O documento prevê excluir da regra do teto de gastos R$ 198 bilhões ao todo.

A PEC da Transição é uma alternativa elaborada pelo novo governo para excluir do teto os repasses com o Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família). Caso isso não se viabilize, o pagamento seria de R$ 405 a partir de janeiro, conforme consta no Orçamento entregue pelo governo Jair Bolsonaro (PL). A proposta prevê também que fique fora do teto o pagamento de R$ 150 para crianças de até 6 anos nas famílias que recebem o benefício.

Após reunião em 17 de novembro, representantes dos 14 partidos da aliança com Lula fizeram uma avaliação positiva sobre a aprovação da PEC, conforme relatou o blog do Valdo Cruz no g1. Na avaliação desses líderes, o texto será aprovado, mas pode sofrer algumas alterações. A principal delas diz respeito ao período ao longo do qual será permitido furar o teto.

O texto enviado prevê originalmente a exclusão permanente desse benefício da lista de repasses limitados pelo teto de gastos, mas a avaliação de aliados de Lula é que isso não será aprovado. A tendência, assim, é que o prazo fique restrito ou a todo o mandato do presidente eleito (quatro anos) ou à metade desse período.

A equipe de Lula, por outro lado, não concorda com a proposta de aliados do presidente Jair Bolsonaro, de uma exclusão dos valores do teto por apenas um ano.https://11d304ce89bd51bcd49c6116501bf714.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html

O time de transição deve se reunir, em 23 de novembro, com todos os líderes e presidentes de partidos aliados para começar a discutir a votação da PEC da Transição. O encontro deverá ser aberto também a lideranças de legendas que não integram o conselho político do time de transição, entre as quais PP e Republicanos.

Os R$ 198 bilhões fora do teto se dividem da seguinte maneira:

  • R$ 105 bilhões (correspondem ao Auxílio Brasil de R$ 405);
  • R$ 70 bilhões (a serem usados para que o valor do benefício chegue a R$ 600 e para bancar os R$ 150 a mais por crianças de 6 anos);
  • R$ 23 bilhões (valor proveniente de eventual excesso de arrecadação.

4. R$ 794 bilhões fora do teto no governo Bolsonaro

Levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), publicado em reportagem da BBC, aponta que o governo Bolsonaro gastou R$ 794,9 bilhões fora do teto entre 2019 e 2022, com autorizações dadas pelo Congresso e manobras como o adiamento do pagamento de precatórios.

5. Saúde e Educação

O teto de gastos também engloba as despesas em saúde e educação, mas alterou os “pisos” (valores mínimos a serem aplicados) nessas áreas. Até então, essas despesas estavam atreladas à receita do governo. Se a arrecadação subisse, os gastos mínimos em saúde e educação também deveriam, necessariamente, ser maiores.

Com a mudança, os valores mínimos nessas áreas passaram a ser corrigidos pela variação da inflação do ano anterior, e não mais pela receita. Na ocasião, o governo argumentou que o Congresso Nacional poderia aumentar os valores, mas que, em contrapartida, outras despesas deveriam ser canceladas.

6. Mudanças no governo Bolsonaro

Com a aprovação neste ano da proposta que ficou conhecida como “PEC Kamikaze”, defendida por governistas para garantir o pagamento do Auxílio Brasil até o fim de 2022, o teto de gastos sofreu sua quinta alteração no governo Bolsonaro.

Relembre aqui as demais mudanças na regra desde setembro de 2019.

7. Rigidez do teto e ‘cláusula de escape’

Criado num contexto econômico ruim, após a recessão do governo Dilma Rousseff, e modelo aplicado na gestão fiscal de outros países, o teto de gastos já recebeu críticas por ser muito rígido e difícil de ser cumprido.

A economista e professora da Universidade Johns Hopkins Mônica de Bolle acredita que as alterações que o mecanismo vem sofrendo tiram credibilidade da política fiscal. Em entrevista ao podcast ela afirmou que é preciso uma nova proposta.

“O grande problema que nós temos hoje com esse teto de gastos é que ele não dá conta da realidade. [É preciso] ter uma espécie de cláusula de escape, que é uma maneira de acomodar situações em que, por alguma razão, você não vá cumprir precisamente o teto daquela forma como ele foi desenhado, porque houve uma circunstância extraordinária, por exemplo”, disse.

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