Servidores relatam ‘pior momento’ da saúde de Cuiabá e citam morte por falta de infraestrutura e medicamentos

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Ação do MPMT é acompanhada do CRM e CRF. — Foto: MPMT

Servidores relatam ‘pior momento’ da saúde de Cuiabá e citam morte por falta de infraestrutura e medicamentos

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Servidores e médicos que atendem nas unidades de saúde de Cuiabá procuraram o Ministério Público para denunciar a falta de medicamentos, itens básicos e problemas estruturais. Segundo a denúncia, falta até remédios analgésicos comuns, como dipirona, em quantidade suficiente para atender os pacientes que estão com dor. Ao menos quatro depoimentos foram prestados denunciando um cenário, que os servidores citam como o pior momento da saúde do município, inclusive com morte registrada devido à situação na Saúde.

Os depoimentos motivaram a inspeção realizada pelo Gaeco em parceria com os Conselhos Regionais de Medicina (CRM) e Farmácia (CRF), no último dia 6 de dezembro.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cuiabá nega as irregularidades apontadas e afirma que houve falta do medicamento em todo Brasil, mas o desabastecimento já foi regularizado.

Em um primeiro depoimento, uma servidora relatou que é o pior momento da momento [ficou repetido] da saúde pública na capital nos últimos 30 anos. “Nunca esteve [vamos corrigir a fala, aqui] tão ruim, com falta de tudo, com falta de estrutura, com falta medicação e com falta de especialistas”, disse.

Segundo ela, há mais de um ano ocorre falta de dipirona em quantidade suficiente para atender os pacientes do município.

“Às vezes chega uma caixinha, uma caixinha, não dá para cinco dias, a gente dando vinte para cada um”, contou.

Segundo ela, 175 itens podem ser pedidos na farmácia do Programa de Saúde da Família (PSF), que são considerados essenciais. Entretanto, apenas 26 são encontrados na unidade, ou seja, menos que 15%.

A servidora ainda contou o caso de uma paciente, de 16 anos, que foi atendida na unidade, com sintomas de tumor cerebral, mas os servidores não conseguiram realizar uma ressonância ou atendimento com um neurologista. “Só nos últimos dias, assim que a coisa agravou muito rápido que a gente conseguiu internar ela numa UPA e de lá foi para o HMC e aí morreu”.

Uma médica, que também atua na Saúde publica de Cuiabá, destaca que há um problema generalizado. Mas, para ela, a preocupação maior é com a falta de medicamentos. Segundo ela, há até mesmo falta de soro e glicose nas unidades.

“A minha preocupação maior é com relação a medicamentos . A gente tem muitas faltas de medicamentos básicos, medicamentos para pressão que são usados para controle de pressão arterial, de sedativos, de medicamentos psicotrópicos para ajudar o paciente a sair da ventilação mecânica e despertar, antibióticos também . Até falta de soro a gente tem lá, de glicose. Então , assim, é bem caótic a a situação atualmente”, relatou.

Segundo a médica, vários óbitos nas UTIs da capital foram relacionados a essa falta de medicamentos. Ela conta que o desabastecimento causou a morte de um paciente hipertenso por colapso cardíaco.

Um terceiro servidor ouvido pelo Ministério Público chegou a comparar as Upas de Cuiabá e Várzea Grande, na região metropolitana. Segundo ele, apesar de estruturas semelhantes, a diferença da farmácia é muito grande.

“Não tem nem o que discutir. Lá a gente tem seis tipos de antibióticos, todos os analgésicos, todos os anti-inflamatórios e tem em grande quantidade”. Questionado sobre a situação da capital , respondeu: “Cuiabá não tem nada, não tem nada!”.

Uma quarta servidora que atua na atenção primária destacou a falta de medicamento também para tratar hipertensão e diabetes. Além disso, as unidades não conseguem realizar pequenos curativos e nem mesmo tratar pequenos acidentes porque não há gazes e ataduras.

“Desde que estou na Upa , sempre falta. Já faltou AAS [Ácido acetilsalicílico], por exemplo”, afirmou no depoimento.

Outro lado

A Secretaria Municipal de Saúde disse que está apurando os casos denunciados pelos servidores. Reforça que a falta de dipirona não aconteceu somente em Cuiabá, questiona a conduta dos servidores que prestaram depoimento e reconhece que há problemas que crônicos que precisam de solução na Saúde. Veja a íntegra:

A Secretaria Municipal de Saúde – SMS esclarece:

  • Está apurando as denúncias supostamente feitas por médicos relacionadas às unidades de saúde do município. Se os profissionais tinham conhecimento de irregularidades, deveriam ter comunicado diretamente à gestão da SMS, por meio do diretor técnico da unidade ou Ouvidoria.
  • Falta de medicamentos como dipirona de fato aconteceu, mas não foi exclusividade de Cuiabá, foi no país inteiro. Mas o que faltou foi a dipirona comprimido, usada para dispensação aos pacientes. A dipirona injetável, utilizada em unidades de urgência/emergência e em hospitais não faltou em momento algum.
  • Causa estranheza à gestão da SMS que médicos da Atenção Básica relatem casos de mortes de pacientes por falta de medicamentos ou por falta de exames de alta complexidade, como a ressonância citada na denúncia, uma vez que pacientes graves não são atendidos nas unidades básicas de saúde (os chamados “postinhos”) e estas unidades não têm fluxo para solicitar esse tipo de exame.
  • A SMS tem apurado já há algum tempo várias condutas e posturas de profissionais por práticas de conduta vedada ao servidor público, como por exemplo, entrega de atestado falso, além de ter passado a cobrar com rigor a produtividade dos profissionais. Isso tem causado um grande descontentamento por parte destes profissionais.
  • A Secretaria reconhece que existem vários problemas crônicos para serem solucionados, mas que está trabalhando incessantemente para solucioná-los o mais rápido possível.

Inspeção

Os depoimentos motivaram a inspeção do Gaeco. A ação visitou unidades de saúde para apurar denúncias de ausência de medicamentos e insumos nas unidades, quadro insuficiente de médicos e outros profissionais, não utilização do ponto biométrico, falta de informações sobre plantões médicos e discordâncias com o Portal da Transparência, entre outras irregularidades.

Após a inspeção, estão sendo elaborados relatórios para que sejam adotadas medidas administrativas e/ou judiciais cabíveis para a garantir à população o atendimento mínimo da saúde pública.

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