Leia antes de morrer

Leia antes de morrer

Leia antes de morrer

Esse recado é para você. Sim, sabe bem que é para você. Você tem cargo, status, esposa, estudo, filhos e considera-se, de longe, o cara mais sortudo e bem-sucedido do antigo grupo das crianças da sua rua.

Também, não poupou esforços. Sangrou, chorou, suou, desistiu. Retomou, reergueu, tentou de novo e perdeu. Fez o que não queria, aquilo que podia, o que nunca teria coragem de admitir, mas fez. Jogou, perdeu, aliou-se e ganhou.

Agora, uísque, vinho e champanha. Sorrisos, favores e manchetes. Remédio para dormir, para acordar e para suportar. Arrasta-se com o peso dos apertos de mão que foi obrigado a dar, das reuniões nauseantes que foi coagido a fazer e das promessas insuportáveis que teve de cumprir. Aquele dinheiro nem era para você, era apenas para continuar no jogo, aquele que você nem queria mais jogar.

Não vou te julgar, apesar de fazer sofrer, sei que também sofre. Vivemos no mesmo pedaço de pedra que se movimenta a 100 mil quilômetros por hora ao redor do sol. A gravidade da política, dos negócios e do poder, no entanto, é que é diferente. Ficar de pé é um esforço hercúleo para quem vive obrigado a fingir ter opções.

Contudo, inoportunamente, a consciência trai a estratégia. A voz materna do tempo de criança surge suave e efetiva, faz o grande homem sentir-se pequeno, com medo. Então, você se questiona: existe algo que transcenda esse pequeno feudo escuro e sujo em que se meteu?

Nosso planeta é uma grande embarcação. Entramos e saímos dela em pouco tempo. Ficamos um pouco aqui, depois voltamos para casa. Morrer é voltar pra casa. A gente leva somente histórias e lembranças. Talvez te reste pouco tempo, sinceramente espero que não. Temos a obrigação de sermos a melhor versão possível de nós mesmos.

Começar de novo? O que os outros vão pensar? O que a imprensa vai dizer? E meus filhos, o que irão falar? E o partido? A empresa? A instituição? Como vou parar agora? São tijolos atirados nas vidraças da fachada que se vê obrigado a manter.

A casa, o carro, os investimentos, a poupança, o dinheiro guardado e aquele escondido, tudo isso não é seu, só está com você. O presente é o seu único ativo. Sei que é inteligente. Então, reflita sobre a grandeza do Universo e perceberá que tudo isso é pequeno, não passa de poeira. Entendera que somos como crianças distraídas brincando, acreditando ter controle sobre a fantasia.

Em breve você vai voltar pra casa. O que vai contar para sua mãe, para aquele amigo que ainda sente a falta do seu abraço? Talvez, seja uma daquelas crianças da sua rua, que verdadeiramente conhecia você e confiava no seu talento.

Olhe para dentro. Peça ajuda para pessoas de bem. Acredite, isso é libertador. Talvez decida recomeçar. Você pode até sangrar, chorar, suar e desistir. Retomar, reerguer, tentar de novo e ainda assim perder. Mas, desta vez, escolher fazer o que queria, o que facilmente admitiria e, quem sabe assim, jogar de um jeito em que todos possam ganhar.

André Luiz Barriento é jornalista, mestre em estudos de cultura contemporânea e graduando em Direito.

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