Poliomielite não é brincadeira

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Dra Natasha Slhessarenko

Poliomielite não é brincadeira

A poliomielite, também conhecida como pólio ou paralisia infantil, é uma doença infectocontagiosa aguda causada por vírus do grupo dos enterovírus, que são vírus que vivem no intestino. São 3 os poliovírus descritos como P1, P2 e P3. Estes vírus acometem apenas pessoas, não têm reservatório animal, por isto, a poliomielite é uma doença que pode ser erradicada, como a varíola, basta que toda a população esteja vacinada, pois assim o vírus deixa de circular e a doença é erradicada.

Até 30 anos atrás a poliomielite acometia cerca de 1.000 crianças todos os dias no Brasil e em mais de 125 países no mundo.

O último caso de poliomielite no Brasil foi em 1989 em Souza, município da Paraíba. Desde 1994 a doença foi considerada erradicada no Brasil, quando foi emitido o certificado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS). Isto foi graças às altas coberturas vacinais, acima de 95% atingidas naquela época. Entretanto, desde 2015, o Brasil não atinge a meta de 95% do público-alvo vacinado, patamar necessário para que a população seja considerada protegida.

É nítida a queda nas coberturas vacinais para todas as doenças imunopreviníveis, o que coloca o Brasil em uma situação de risco para retorno de várias doenças, o que já temos constatado.

Os números da vacinação da poliomielite são assustadores. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), hoje 30% das crianças com menos de 1 ano de idade não estão vacinadas para poliomielite, 40% das crianças não tomaram o 1º reforço (feito entre 15 e 18 meses) e 55% das crianças não tomaram o 2º reforço (feito entre 4 e 5 anos). Estes números tornam o Brasil um país de alto risco para a poliomielite, junto com Argentina, Bolívia, Equador, Panamá e Paraguai. Países como o Haiti, Peru, República Dominicana e Venezuela são considerados países de muito alto risco. Em 33 países há surtos de poliomielite e em 2 países a doença é endêmica, ou seja, há um número esperado de casos, Afeganistão e Paquistão.

A poliomielite acontece mais frequentemente em crianças menores de 5 anos, mas pode afetar jovens e adultos também.

A transmissão acontece por duas vias:

– fecal-oral que é a forma mais frequente. O vírus é eliminado pelas fezes e o contato com objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou portadores do vírus por falta de saneamento básico, água de qualidade e descuido com a higiene das mãos, pode levar a contaminação.

– oral-oral via menos comum de infecção. A contaminação se dá através de gotículas expelidas pela pessoa infectada ao falar, tossir ou espirrar.

A pessoa infectada, mesmo sem apresentar nenhum sintoma, pode disseminar o vírus.

Na maioria das vezes, a infecção é assintomática, ou seja, a pessoa infectada não apresenta nenhum sintoma, mas há uma parcela de acometidos que podem desenvolver formas graves. A doença costuma ser mais grave em adultos do que entre as crianças. Embora as crianças não vacinadas sejam o principal grupo envolvido na cadeia de transmissão da pólio, o papel de adultos com infecção assintomática por poliovírus não deve ser subestimado.

Comumente os sintomas da infecção são parecidos com os de outras doenças virais como a gripe (febre e dor de garganta) ou infecções gastrintestinais (dor na barriga, náusea, vômito, constipação intestinal e muito raramente, o paciente pode apresentar diarreia). Esta forma é chamada de não paralítica. Na forma paralítica, além dos sintomas descritos acima, os pacientes apresentam flacidez, que leva a perda da força muscular e dos reflexos, acometendo principalmente os membros inferiores e os pés.

Entre os pacientes que têm paralisia, 5 a 10% podem evoluir para óbito por causa do envolvimento dos músculos da respiração.

Na forma paralítica, os músculos mais frequentemente acometidos são os que respondem por movimentos dos quadris e pela ação de abrir e fechar as pernas, músculos que atuam no posicionamento do pé, músculos que posicionam os joelhos, músculos dos ombros e dos braços.

O grande pavor da poliomielite, além da possibilidade de levar à morte, são as sequelas permanentes que esta doença pode deixar e estão relacionadas com a infecção da medula e do cérebro pelo poliovírus. As sequelas normalmente são motoras e não tem cura. As principais são:

– pé torto, conhecido como pé equino, a pessoa não consegue andar porque o calcanhar não encosta no chão;

– paralisia de uma das pernas;– problemas e dores nas articulações;– crescimento diferente das pernas, o que faz com que a pessoa manque e incline-se para um lado, causando escoliose;

– paralisia dos músculos da fala e da deglutição, o que provoca acúmulo de secreções na boca e na garganta;– dificuldade de falar;– atrofia muscular;– hipersensibilidade ao toque.

O diagnóstico da poliomielite é feito através da pesquisa do políovírus nas fezes através de técnicas moleculares, realizadas em laboratórios de virologia especializados.

Não tem tratamento para esta doença tão cruel. Para as sequelas é  recomendada fisioterapia motora que por meio de exercícios irão ajudar a desenvolver a força dos músculos envolvidos, além de ajudar na postura e melhorar a qualidade de vida dos pacientes sequelados.

Por ser uma doença grave e como não há tratamento, a melhor forma de se evitar a poliomielite é através da prevenção que é feita pela vacina.

A vacina é a única forma de proteção contra a pólio causada por vírus dos tipos 1, 2 e 3.

Existem dois tipos de vacina para a poliomielite, a vacina inativada (VIP) e a vacina atenuada (VOP).

A vacina inativada (VIP) é preparada a partir dos 3 tipos de vírus da poliomielite e os vírus estão mortos. É dada intramuscular e o esquema vacinal compreende 3 doses aos 2, 4 e 6 meses de vida. É uma vacina extremamente segura e eficaz.

A vacina atenuada (VOP) é produzida a partir de vírus vivo atenuado de P1 e P3. É dada por via oral, são duas gotinhas e é recomendada nos reforços, o primeiro entre 15 e 18 meses e no segundo aos 4 anos de idade. Também é uma vacina muito segura, entretanto quando há baixas coberturas vacinais, o vírus vacinal pode sofrer mutação.

Além disso, a vacina também é indicada para viajantes adolescentes e adultos com destino a países onde a doença é endêmica, como o Paquistão e o Afeganistão ou a locais onde há risco de transmissão e registro de casos de poliomielite causada pelo vírus vacinal.

A queda nos índices de vacinação é grande e grave, e coloca a saúde do Brasil em risco. Além disso, mais recentemente, a doença ressurgiu em Israel e também teve um nova cepa registrada no Malaui, sudeste da África, aumentando ainda mais o risco da variante vacinal chegar em solo brasileiro.

A paralisia infantil não é brincadeira. Por isso, fazemos um alerta aos pais e responsáveis para que atualizem a caderneta de vacinação das crianças, principalmente para as que tiverem em atraso com as vacinas da Primeira Infância, que vai de zero a cinco anos de idade. A vacina está disponível gratuitamente em todas as unidades da rede básica de saúde e durante o ano inteiro.

Ao ser eliminado pelas fezes, o vírus da poliomielite pode contaminar redes de esgoto e água, aumentando as chances de transmissão. Por isso, medidas de saúde como o devido saneamento básico e as boas condições de higiene são importantes para prevenir a doença. Como temos um país onde o saneamento básico é precário, mesmo nas capitais e nos grandes centros,

Enquanto uma única criança estiver infectada no mundo, crianças no Brasil e em todo o mundo, estão ameaçadas de contrair a poliomielite.

A única solução para acabar com a poliomielite é através da vacinação! Precisamos alcançar a marca de 95% de crianças até 5 anos vacinadas.

Dra. Natasha Slhessarenko é pediatra e patologista clínica, professora da UFMT e representa Mato Grosso no CFM.

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