No Olho da Rua: As dores e as bençãos nos semáforos de Gecí Vieira

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Roberto Barcelos- Especial para o Primeira Hora

Foto: Roberto Barcelos

No Olho da Rua: As dores e as bençãos nos semáforos de Gecí Vieira

Após sofrer um AVC e um acidente que deixou sequelas no joelho esquerdo, Gecí Vieira da Silva Nascimento ficou impossibilitado de trabalhar. Nos semáforos da rua Dom Pedro II, na região central de Rondonópolis, ele encontrou não apenas um local para buscar auxílio, mas também para compartilhar palavras de fé e bênçãos com alegria.

Vivendo de forma independente e vestindo-se impecavelmente com trajes sociais, incluindo gravatas e até mesmo paletós em algumas ocasiões, Vieira desafia as adversidades com uma postura diferente do habitual. Abandonando a abordagem tradicional de pedir ajuda financeira, ele escolhe abençoar as pessoas que cruzam seu caminho com palavras reconfortantes da Bíblia, emanando uma energia positiva que transcende as limitações físicas, e em troca recebe de algumas pessoas gorjetas que o ajudam a sobreviver com um mínimo de dignidade.

Nascido em Ecoporanga-ES em 28 de janeiro de 1960, aos 17 anos de idade sua família mudou-se para Cacoal-RO. Aos 20, casou-se e a partir daí trabalhou como servente de pedreiro, carpinteiro, e logo se tornou um bom pedreiro, segundo ele. Trabalhou também com consertos de eletrodomésticos e, além disso, exerceu a atividade de pastor evangélico. Do casamento, teve três filhas e quatro filhos que hoje têm entre 30 e 42 anos de idade. Há cerca de 30 anos, separou-se de sua esposa, mas continuou morando por perto para ajudar na criação dos filhos.

Ele conversa com motorista na rua Dom Pedro II na região central da cidade Foto: Roberto Barcelos

Em meados de 2009, Gecí Vieira veio para Rondonópolis e trabalhou como vendedor, atuando também em um programa jornalístico na antiga TV Record News local, ao lado de Robson Brunini, que apresentava o “Rondonópolis Urgente”. Ele era auxiliar de um pastor evangélico que tinha um quadro nesse programa. Essa passagem foi confirmada pelo cinegrafista Joaquim Filho, um dos mais antigos de Rondonópolis, que trabalhou nesse programa na época: “Conheci o Sr. Gecí lá na TV Record, ele é uma pessoa humilde e muito educada. Ele era o responsável por atender as ligações, anotar tudo e repassar para o pastor que tinha um quadro no programa, uma pessoa muito boa”, afirma Joaquim.

Logo em seguida, Geci sofreu um acidente ao descer de um ônibus do transporte coletivo de Rondonópolis, sendo arremessado ao asfalto e fraturando o joelho esquerdo. Após o acidente, seu filho mais velho o levou para a cidade de Nova Mutum para cuidados, mas durante esse período, segundo ele, esse filho vendeu seus pertences e uma casa que tinha como herança de sua mãe em Cacoal, o deixando na “lona”. Após a descoberta, resolveu voltar a Rondonópolis para recomeçar sua vida.

Com muita luta e sem ter recebido nenhuma indenização por parte da empresa de transporte coletivo, que alegou que a dificuldade em andar de Gecí era por causa de um AVC sofrido por ele e não pelo acidente, ele conseguiu um auxílio do INSS, que é consumido quase totalmente pela parcela de um empréstimo que fez para tratamento de sua saúde. “Hoje não estou enxergando quase nada, a catarata está tomando conta de minhas vistas, preciso de uma cirurgia nos olhos, no meu joelho, e agora estou com o canal da urina interrompido e tenho que andar com essa sonda no pé da barriga, além de um AVC que sofri antes do acidente com o ônibus, tenho que tomar vários medicamentos e por isso venho para o semáforo contar com a colaboração das pessoas”, lamenta, e continua: “Já estou cansado de esperar pelo SUS, é uma fila enorme e uma dificuldade tremenda. Eu devia ficar em casa, de repouso, mas quando falta um remédio e não tenho o dinheiro tenho que vir aqui conseguir ajuda, depois que consigo comprar fico quieto em casa, uma casinha que consegui com a prefeitura no residencial Antônio Geraldino ao que agradeço muito o prefeito Zé do Pátio.”

Sobre o jeito de se vestir, Gecí, ou pastor Vieira como gosta de ser chamado, diz com alegria: “É o meu estilo, eu sempre gostei de andar arrumadinho, eu fui pastor e gosto muito de me vestir assim. Alguns já me disseram para eu vir mal arrumado, com roupas velhas para pedir e eu respondi a elas que eu não engano ninguém, não peço nada para as pessoas no semáforo, apenas as abençoo para não sofrerem acidentes no trânsito, cito palavras da Bíblia como o Salmos 91-10 (nenhum mal te sucederá), sempre com muita alegria e educação com as pessoas, aí elas me dão aquilo que é tocado em seus corações, ninguém sabe o que já passei porque não fico me lamentando com elas. ”

A história de Gecí Vieira é marcada por resiliência e inspiração. Enfrentando as consequências de um AVC e de um acidente que afetou seu joelho esquerdo e outros problemas de saúde, ele não apenas buscou nos semáforos auxílio para sua sobrevivência, mas transformou esse espaço em um local de compartilhamento de esperança, bênçãos e alegria.

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