Mesmo com a previsão de iniciar a vacinação contra dengue em fevereiro, os impactos da medida de prevenção não devem ser notados em um curto prazo no Brasil. O alerta é de especialistas ouvidos pelo R7, que também chamam atenção para a necessidade de manter e intensificar as formas tradicionais de evitar a doença.
O Ministério da Saúde estima uma explosão de casos em 2024, chegando a 5 milhões, contra o 1,6 milhão de 2023. Por limitação na produção, a imunização da dengue alcançará pouco mais de 1% da população brasileira – 2,5 milhões de pessoas – neste ano.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde (Conasems), Hisham Hamida, destaca a necessidade de critérios para a utilização da vacina diante da oferta reduzida. O Conasems integra a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização do Ministério da Saúde, equipe que contribui para a elaboração de estratégias de vacinação. “A vacina sendo aplicada agora só vai surtir efeito relacionado a ela a médio prazo. Esse ano possivelmente ainda não teremos esse impacto”, disse Hamida. “O que nós tivermos de produção da indústria nacional sempre é melhor. Temos que fortalecer o complexo industrial da saúde para ter essa segurança de produção,” concluiu.
Segundo o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, o infectologista Renato Kfouri, não é esperada uma diminuição de casos no Brasil nem para os próximos anos. “O impacto vai ser regional e pontual, nos locais onde a vacina estiver sendo aplicada. Tudo vai depender da estratégia de progressão da incorporação, da adesão da população, da capacidade de produção”, afirmou o especialista. O médico alerta que os cuidados com o mosquito continuam os mesmos. “A vacina é uma ferramenta a mais para acoplar a essas medidas que já existem,” acrescentou.
O infectologista Fernando Chagas explica que a vacina é a primeira estratégia voltada ao combate do vírus, já que, até então, todas as medidas focavam o vetor, ou seja, o mosquito. “Se eu freio a situação do vírus, diminuindo a circulação ao vacinar as pessoas, a probabilidade do vírus se espalhar cai substancialmente. Vacinar 2,5 milhões ainda é pouco, mas, por se tratar de uma doença que sempre traz muitos problemas para o Brasil, será de grande importância já nesse primeiro momento”, disse.
O Ministério da Saúde prevê epidemia de dengue nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, onde 30,2% de 4.976 municípios têm classificação de alerta para o Aedes aegypti. “Crianças e idosos são os grupos que mais nos preocupam”, avaliou a secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, ao divulgar os dados, no fim do ano passado.
O aumento de casos da doença foi de 15,8% em 2023, passando de 1,3 milhão, em 2022, para 1,6 milhão. “Fatores como a variação climática, o aumento das chuvas, o número de pessoas suscetíveis às doenças e a mudança na circulação de sorotipo do vírus são fatores que podem ter contribuído para esse crescimento”, avaliou o ministério em nota.
O médico Manuel Renato Retamozo Palacios, infectologista do hospital Anchieta de Brasília, afirma que a vacina será crucial para frear casos de dengue, sobretudo em áreas onde a doença é endêmica. “Ao tomar a vacina, espera-se reduzir a incidência de novos casos, bem como as complicações e óbitos”, destacou.
“Inicialmente a vacinação vai focar em grupos considerados prioritários, contemplando pessoas que vivem em áreas com alta incidência de dengue ou que tenham maior risco de complicação. Embora isso limite o alcance inicial, é uma estratégia eficaz para maximizar o impacto da vacinação. Proteger esses grupos em primeira mão pode reduzir a carga sobre o sistema de saúde e diminuir a propagação da doença na comunidade, um efeito significativo”, afirmou Palacios.
Para a doutora Maria Isabel de Moraes-Pinto, infectologista do Exame Medicina Diagnóstica e consultora de vacinas da rede Dasa, vacinando-se 2,5 milhões de pessoas, diminui-se em 80% os casos de dengue e em 90%, os casos com hospitalização na população vacinada, pensando na eficácia da vacina no primeiro ano. “Com certeza é preciso aumentar a vacinação a médio prazo. Ao mesmo tempo, é fundamental fazer o controle do vetor, o Aedes aegypti, através da eliminação de criadouros do mosquito, estratégias de dedetização em áreas específicas, entre outros”, destaca a infectologista Maria Isabel de Moraes-Pinto, consultora de vacinas da rede Dasa.
A infectologista acrescenta ser fundamental, ainda, o preparo das equipes de saúde com treinamento que permita um diagnóstico rápido e manejo dos casos que necessitam de hospitalização e de UTI, além de testes diagnósticos disponíveis para serem utilizados nas pessoas que procurarem os serviços de saúde com quadro sugestivo de dengue. “Ou seja, o manejo da dengue implica uma estratégia conjunta de várias equipes e a vacinação é um dos itens que devem ser utilizados para combater a infecção e tratar adequadamente as formas graves”, conclui.
Estratégia vacinal
O Ministério da Saúde definiu que vai priorizar a vacinação de crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos. Na segunda-feira (15), a pasta realizou uma reunião interna com técnicos, especialistas, representantes da sociedade científica e gestores locais para discutir as prioridades.
Conhecida como Qdenga, a vacina contra dengue foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) no fim do ano passado. O laboratório fabricante, Takeda, afirmou que tem uma capacidade restrita de fornecimento. A oferta para 2024 deve ser de 5 milhões de doses, sendo necessária duas aplicações por pessoa.
A entrega das primeiras 460 mil doses está prevista para começar em fevereiro. “O Programa Nacional de Imunizações (PNI) trabalhará junto à Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI) para definir a melhor estratégia de utilização do quantitativo disponível, com público alvo prioritário e regiões com maior incidência da doença para aplicação das doses”, afirma a pasta.
O imunizante pode ser aplicado em indivíduos de 4 a 60 anos. O esquema vacinal inclui duas doses subcutâneas com intervalo de três meses entre elas. A proteção contra a doença deve ter duração de até cinco anos.
Outras medidas
Além da vacinação, o governo federal repassou R$ 256 milhões a todo o país para reforçar o enfrentamento da dengue.
O monitoramento em tempo real dos locais de maior incidência de dengue, chikungunya e zika é feito pela Sala Nacional de Arboviroses. O objetivo é preparar o Brasil e direcionar as ações de vigilância para os municípios mais atingidos. “O momento é de intensificar os esforços e as medidas de prevenção por parte de todos para reduzir a transmissão da doença”, destacou a pasta.