Oito em cada 10 crianças yanomami têm desnutrição crônica, diz estudo

Marcello Casal jr/Agência Brasil

Oito em cada 10 crianças yanomami têm desnutrição crônica, diz estudo

Em aldeias dos índios yanomami, oito em cada dez crianças menores de cinco anos padecem de desnutrição crônica, o que pode comprometer, de modo irreversível, o desenvolvimento mental, motor e cognitivo ou mesmo levá-las a óbito. Sabe-se, ainda, que 67,8% delas estão anêmicas.

As conclusões constam de um estudo encomendado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que está sendo discutido hoje (29), no Seminário Nacional sobre os Determinantes Sociais da Desnutrição de Crianças Yanomami, em Brasília.

O levantamento, que agora tem suas primeiras informações divulgadas, foi elaborado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Socioambiental (ISA).

Os pesquisadores coletaram os dados entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, no Polo Base de Auaris, em Roraima, e no Polo Base de Maturacá, no Amazonas.

A equipe constatou que 81,2% das crianças menores de cinco anos de idade têm baixa estatura para a idade (desnutrição crônica) e que 48,5% apresentam baixo peso, se comparadas a outras da mesma faixa etária (desnutrição aguda).

A Organização das Nações Unidas (ONU) informa que a taxa de desnutrição crônica entre menores de 5 anos, em 2006, era de 7%. Já o índice entre crianças indígenas menores de cinco anos era de 28,6%, em 2018, segundo o Ministério da Saúde.

Alimentos ultraprocessados e obesidade

Outro aspecto relevante que os autores do estudo destacam é o fato de que os índices de desnutrição são ainda mais elevados no período do desmame das crianças que compuseram a amostragem.

De acordo com os pesquisadores da Fiocruz, fatores como o contato com alimentos ultraprocessados podem estar contribuindo para a condição nutricional das crianças yanomami.

Os produtos ultraprocessados são caracterizados por um baixo valor nutricional e um alto nível do teor de gordura, sódio e açúcares e estão associados, frequentemente, ao sobrepeso de crianças, que, no caso das yanomami, atinge uma prevalência de 2%.

Ao todo, um quinto delas já se encontrava em risco de sobrepeso associado a algum tipo de desnutrição, como deficiências em vitaminas e nutrientes essenciais.

Conforme explicou Antônio Carlos Cabral, representante do Unicef no seminário, no ano passado, o organismo da ONU consultou mulheres indígenas de vários pontos do país sobre seus anseios. Elas enumeraram, o que consideravam ser os maiores problemas nas áreas de saúde, educação e registro civil e de nascimento. A partir disso, o Unicef detectou, entre os yanomami, a preocupação com a desnutrição infantil.

“Não é só possível, é uma obrigação nossa fazer isso. A gente tem que garantir o direito dessas crianças. A gente não pode mais admitir estar perdendo crianças indígenas por desnutrição”, disse Cabral, que ocupa o cargo de oficial de saúde na Amazônia, no Unicef.

“Agora, a gente tem uma evidência, uma comprovação através de um estudo, que mostra que a gente precisa focar nessa população para garantir os seus direitos e ver de que forma vamos trabalhar para que tenham mudanças eficazes, reais e concretas na vida dessas crianças”, acrescentou.

Desnutrição

Segundo o médico Jaime Henrique Valencia, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, os números são conhecidos “há muito tempo” pelo governo federal.

O cerne da questão, afirmou, está em garantir que as políticas já implementadas tenham sequência e não sejam concebidas “do zero”. “A pesquisa só vai mostrar e reforçar que a desnutrição existe nesses povos e, então, vai lembrar aos gestores, que sempre estão mudando, que esse problema continua e vai continuar, caso não se dê continuidade às ações que já vêm sendo feitas”, argumentou.

Infectologista, Valencia disse que o poder público deve prevenir a desnutrição dos povos indígenas oferecendo um atendimento de excelência em Atenção Primária e que a solução é tornar o processo participativo e horizontal, de modo que as comunidades indígenas sejam realmente ouvidas.

O técnico da Sesai pondera, ainda, que a desnutrição generalizada dos povos originários pode até mesmo reduzir sua atuação sociopolítica no futuro, uma vez que as crianças indígenas agora suscetíveis a essa condição de saúde são aquelas que representarão seus pares e podem acabar tendo suas faculdades cognitivas comprometidas. “Provavelmente, não terão lideranças fortes para lutas por seus direitos”, observou.

Articulação

“Precisamente, a importância dessa pesquisa é integrar instituições, tanto os entes governamentais quanto organizações não governamentais, que servem de testemunha que há algo para se fazer em conjunto, porque o problema transpassa a área de saúde. Precisamos nos articular com outras instituições, como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], o Ministério da Cidadania e os diferentes níveis de governo. Não vale apenas ter normas em nível central, colocar em portarias, em procedimentos a serem feitos, se não temos o apoio da comunidade”, acrescentou.

Também entrevistado pela Agência Brasil, o presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), José Mario Pereira Yanomami, afirmou entender que há a necessidade de se recuperar os hábitos alimentares dos seus antepassados.

Ele relata que a demarcação de terras indígenas tem dificultado o cultivo de alimentos que os povos deveriam reinserir no cardápio. ”

Na comunidade, eu conheço várias famílias que não têm condições [de plantar]. Uma roça não sustenta 15 famílias. Isso é muito pouco. A família tem que ter um roçado grande, plantação de mandioca, o que nossos avós plantavam”, diz ele, que vive na região de Maturacá, no Amazonas.

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