MP denuncia pais de adolescente que matou amiga em condomínio de luxo em Cuiabá por homicídio culposo

Isabele Guimarães Rosa, de 14 anos, morreu ao ser atingida por tiro na cabeça no condomínio Alphaville, em Cuiabá — Foto: Instagram/Reprodução

MP denuncia pais de adolescente que matou amiga em condomínio de luxo em Cuiabá por homicídio culposo

O Ministério Público Estadual, por meio da 6ª Promotoria de Justiça Criminal da comarca de Cuiabá, denunciou nesta sexta-feira (6) o pai e a mãe da amiga de Isabele Guimarães pelos crimes de homicídio culposo, entrega de arma de fogo a pessoa menor, fraude processual e corrupção de menores. O pai também foi denunciado por posse ilegal de arma de fogo. Eles são pais da adolescente acusada de matar a amiga Isabele Guimarães, em um condomínio de luxo de Cuiabá. O crime aconteceu em julho deste ano.

O promotor de Justiça Milton Pereira Merquiades requereu ainda, como medidas cautelares diversas da prisão, que seja determinado aos denunciados “que entreguem todas as armas de fogo e apetrechos de recarregamento de munição eventualmente existentes em seus poderes”, para que fiquem vinculados ao processo criminal; a suspensão imediata da autorização para a prática de tiros, caça e coleção de armas dos denunciados, com a consequente comunicação ao Comando do Exército Brasileiro; e a cassação definitiva dos respectivos registros de atiradores e colecionadores, caso a ação penal venha a ser julgada procedente.

Consta na denúncia que, no dia do crime, que o pai fazia a manutenção das armas de fogo de seu acervo na sala da residência, onde se encontravam seis adolescentes. Além de permitir que os jovens manuseassem as armas, determinou à filha menor de idade que guardasse uma delas, sem tomar os cuidados necessários em relação à segurança. Para o promotor de Justiça, o denunciado “criou o risco da ocorrência do resultado, pois é de senso comum que a posse de armas por pessoas menores acarreta grande probabilidade de acidentes ou até mesmo na sua utilização dolosa por questões fúteis, e dessa forma por determinação legal, tinha o dever de impedir o resultado”.

De acordo com Milton Merquiades, “ao não tomar os cuidados necessários de vigilância e proteção, inerentes ao Poder Familiar, os denunciados, culposamente concorreram para que a menor desferisse um disparo de arma de fogo em face da vítima, causando-lhe a morte”. O promotor destacou ainda que a negligência com a guarda de armas de fogo por parte dos denunciados era uma prática contumaz, pois elas eram guardadas em um móvel com aproximadamente um metro de altura, ao qual os filhos tinham fácil acesso, bem como a manipulação de pólvora para recarregamento de cartuchos era feita no interior da residência, sem o acautelamento de segurança adequado.

Na denúncia o promotor enfatizou ainda que “a entrega de armas de fogo e apetrechos destinados à fabricação/recarregamento de munição pelos denunciados e seus filhos menores era fato comum e corriqueiro na residência da família”, e que essa conduta é totalmente ilegal, uma vez que o manuseio de armas por menores praticantes de tiro somente pode ser feito no clube de tiro apropriado, com a supervisão do responsável ou instrutor, conforme dispõe o artigo 14 da portaria nº 150/2019 do Comando Logístico do Exército Brasileiro.

Milton Merquiades também frisou que os denunciados retiraram objetos da cena do crime, “com o fim de produzir efeito em processo penal futuro”. A equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) presenciou a denunciada recolhendo apetrechos de manutenção de arma de fogo e chegou a adverti-la a respeito da preservação do local do crime até a chegada da polícia técnica. O denunciado Marcelo teria confrontado um dos integrantes da equipe dizendo que nada impediria a retirada daqueles objetos, sob a alegação de que o crime teria ocorrido em outro cômodo da casa. Por último, o promotor alegou que, na condição de genitores da menor autora do fato, os pais acabaram por corrompê-la ao entregarem a arma de fogo à menor de 18 anos de idade.

O caso

A situação ocorreu por volta de 22h30 de domingo em um condomínio de luxo localizado no Bairro Jardim Itália.

O ex-advogado da família da adolescente que efetuou o disparo explicou, à época, que o pai da suspeita do tiro acidental estava na parte inferior e pediu para que a filha guardasse a arma no andar superior, onde estava Isabele.

A adolescente pegou o case – uma maleta onde estavam duas armas – e subiu obedecendo ao pai. Apesar de estar guardada, a arma estava carregada.

Segundo o advogado, uma das armas caiu no chão e a adolescente tentou pegar, mas se desequilibrou e o objeto acabou disparando.

A menina negou que brincava com a arma ou que tentou mostrar o objeto para a amiga.

A mãe de Isabele, Patrícia Ramos, afirmou que estava em casa quando foi chamada pela mãe da menina. Segundo Patrícia, ao chegar no local do crime, encontrou a filha no banheiro e já sem vida.

Internação

A adolescente apontada como responsável pela morte em Cuiabá (MT) de Isabele Guimarães, de 14 anos, conseguiu habeas corpus para que seja liberada de cumprir medida socioeducativa. A decisão da Justiça foi tomada um dia depois da internação dela, após a defesa alegar que a medida é ilegal.

Praticante de tiro

As duas famílias, a da adolescente que disparou, e a do namorado dela praticam tiro esportivo.

A Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) disse que a adolescente que matou a amiga é praticante de tiro esportivo há pelo menos três anos.

Segundo a federação, o pai e a menina participavam das aulas e de campeonatos há três anos. Os nomes deles constam nos grupos, chamados ‘squads’, que participavam das competições da FTMT.

Outros membros da família também participavam desses grupos e praticam o esporte.

O advogado da família contestou a informação e afirmou que a adolescente praticava o esporte há apenas três meses.

Perícia

Perícia aponta manchas de sangue humano em blusa — Foto: Reprodução

Perícia aponta manchas de sangue humano em blusa — Foto: Reprodução

Laudo da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) apontou que a pessoa que matou Isabele estava com a arma apontada para o rosto da vítima, a uma distância que pode variar entre 20 e 30 cm, e a 1,44m de altura.

Conforme o documento da Politec, Isabele encontrava-se no banheiro da suíte que fica no andar superior da casa da amiga.

Ainda segundo a perícia, em dado momento o autor do disparo também entrou no banheiro, na parte esquerda, com a pistola apontada para a face da vítima, e efetuou disparo acionando o gatilho.

Outra perícia indicou que o tiro que matou a adolescente não foi disparado acidentalmente.

De acordo com o laudo da Politec, a arma de fogo utilizada não pode produzir tiro acidental. Nas circunstâncias alegadas constantes do Termo de Declarações da adolescente, a arma de fogo, da forma como foi recebida pela perícia, somente se mostrou capaz de realizar disparo e produzir tiro estando carregada (cartucho de munição inserido na câmara de carregamento do cano), engatilhada, destravada e mediante o acionamento do gatilho.

Cena alterada

Para a polícia, o empresário pai da adolescente teve uma conduta que pode ter atrapalhado a investigação. “Quando a equipe do Samu chegou (na casa), havia apetrechos de armas em cima da mesa e ele pediu para que a mulher guardasse. Isso não poderia ter sido alterado”, disse o delegado Wagner Bassi, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que conduziu a investigação.

A cápsula da bala que atingiu a adolescente na cabeça também foi movimentada depois do crime pelo filho dele, que é irmão gêmeo da adolescente que atirou, o que pode ter atrapalhado a investigação.

Quatro policiais, sendo um delegado, dois investigadores da Polícia Civil, e um policial militar que foram até a casa depois do crime são investigados por improbidade administrativa.

Reconstituição

A reconstituição da morte de Isabele foi feita entre 18 e 19 de agosto, na casa da menina que atirou. O processo durou sete horas, e a adolescente não participou. A defesa alegou que ela não está em condições psicológicas de participar.

A jovem que atirou foi representada por uma atriz que tinha estatura e pesos compatíveis.

Foram reproduzidos todos os movimentos realizados pelos envolvidos no caso para apontar a compatibilidade das versões apresentadas na investigação. A simulação foi feita com três disparos.

A reprodução também contou com um grupo de 41 profissionais entre investigadores, escrivães, delegados e peritos.

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