Leitura de pensamento

Lucas Perrone

Lucas Perrone

Leitura de pensamento

Hoje, estava comprando algumas frutas no supermercado Atacadão em Rondonópolis. Vi a imensidão que tem o prédio com suas estruturas metálicas e as enormes gôndolas, que também são usadas como depósito das mercadorias, só que um outro momento tomou conta de mim, como uma boa recordação. Era noite do dia 25 de junho de 1980, aqui neste mesmo local, só que do outro lado do setor das frutas, exatamente onde ficava o gol mais próximo da rua Dom Pedro II, que fiz um tento inesquecível e difícil de descrever, quando aconteceu o jogo de futebol do União Esporte Clube, num amistoso contra o famoso Vasco da Gama, do Rio de Janeiro.

Vem tudo de uma vez na minha cabeça e volto até quando trabalhava, ainda de menor, como carregador de malas na antiga rodoviária, onde hoje é o Ganha Tempo, e muitas vezes entrei no estádio para assistir alguns jogos, mesmo que da forma não tão usual, pois os muros eram baixos para mim, e as nicas não sobravam para comprar o ingresso, e quando eu achava que estava sobrando apareciam outros compromissos muito maiores, principalmente de alimentação.

O jogo era o assunto na cidade. Todo mundo zombava conosco, porque iríamos enfrentar o timaço do Vasco, com o elenco composto por jogadores da seleção brasileira. “O vareio vai ser grande”, diziam os amigos. Tiravam muito sarro da gente.

Lembro que saímos da concentração, que era bem perto e viemos a pé mesmo. Passamos pela entrada principal e viramos à direita do bambuzal, passamos atrás do gol à direita, quando fitei aquela trave desejando imensamente poder transpô-la com um chute certeiro, dali fomos para o vestiário. Como eu era reserva e nem imaginava que entraria no jogo, estava só um pouco tenso, como sempre nos momentos anteriores ao início de qualquer peleja. Olhei para o madeirão, estava lotado e tremia, olhei para o outro lado e era a mesma coisa, e ainda, tinha várias cadeiras metálicas de bar, emprestadas pela revenda Brahma do fanático torcedor do União, o César Ferrari, bem próximas ao campo, que hoje jamais aceitariam elas ali naquele local perigoso. Acho que era uma forma de angariar mais recursos para as despesas do jogo, pois o valor para se sentar nas cadeiras era dez vezes mais que a geral e cinco vezes mais que a arquibancada.

Era o poderoso Vasco da Colina, com Mazarópi no gol, Marco Antônio, Abel Braga, Orlando Lelé, Guina, Pintinho, Dudu, Paulo Roberto e o craque Roberto Dinamite, entre outros.

Nós tínhamos um time bom, e o craque era o Ruíter. O dono do apito era o Armando Camarinha, que aos cinco minutos marcou a que veio e expulsou o nosso craque Ruíter e o Orlando Lelé. Ruíter não levava desaforo para casa, era craque mesmo de jogar com a cabeça erguida, consciente do que fazia, mas rabugento, e a lenda “Professor Pindu”, assoprou no meu ouvido mouco, que o Ruíter azucrinava o Orlando desde antes do jogo, dizendo que era fazendeiro e jogava só porque era craque mesmo. Já o Orlando Lelé era habilidoso, de chute potente e brucutu ao mesmo tempo. Jogou pela seleção brasileira e depois virou técnico de futebol. Daí era natural ver que dois bicudos não se beijam.

Aos quatro minutos do primeiro tempo Osmário marca para o União e quase que o madeirão vai ao chão, ainda nesse primeiro tempo o Dudu empata. No segundo tempo o ídolo vascaíno Roberto Dinamite vira o jogo. Tudo encaminhava para a derrota do União e faltavam poucos minutos para terminar o jogo. Eu tinha entrado durante o segundo tempo e queria achar uma oportunidade única para fazer o meu golzinho, porque sabia que entraria para a história dessa cidade que me acolheu. Hoje, os amigos dizem que eu era só uma correria danada naquele jogo e não esperavam muito do time, ainda mais de mim.

A explosão que eu tinha e a vontade de marcar eram combustíveis para acreditar numa jogada, uma jogadinha só, e não é que ela apareceu. A bola veio redonda, conforme a redundância, tocada pelo China, que recebeu “com açúcar” do Pindu, dominei com o pé esquerda, preparando o direito para o arremate. Estava próximo à quina da grande área e coloquei toda a força na perna direita. Bati rasteiro no canto direito do Mazarópi, que nem saiu na foto. Eu nem me lembro se corri para a galera do bambuzal, de tanto alegria.

Alguém tocou o meu ombro esquerdo trazendo-me para a realidade, falando:

– Juary?! Que bom revê-lo! Estive no jogo do União contra o Vasco e sou testemunha ocular do seu gol. Parabéns vereador!

Voltei à realidade e fui pesar as frutas, andando como se levitasse em brancas e macias nuvens.

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