Entidades ligadas ao direito à saúde e movimentos populares lançaram uma carta endereçada ao ministro da Saúde, Marcelo Castro, na qual cobram a continuidade da reforma psiquiátrica no Brasil. O documento destaca a lei 10.216, de 2001, como um “marco legítimo e efetivo para garantir o avanço da política pública em saúde mental” e ressalta a ampliação dos equipamentos, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que promovem um modelo de atenção de base comunitária.
As mais de 60 organizações que assinam a carta lembram que essa mudança é resultado de uma mobilização que se iniciou nos anos 1980 e que construiu um “sólido processo de reforma da atenção em saúde mental. Todo este processo, complexo e ainda em construção, mudou o cenário da assistência pública em saúde mental no país”. Na audiência com o ministério, as entidades querem discutir o aprofundamento da dessa reforma para que ela avance em todas as regiões do país.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde, solicitando um posicionamento, mas não houve retorno até a publicação.
Confira a carta na íntegra:
Carta aberta ao Ministro da Saúde
Pelo Avanço da Reforma Psiquiátrica
Ao Ministro da Saúde
Marcelo Castro
As associações, entidades, coletivos e movimentos sociais que assinam esta carta solicitam audiência ao Senhor Ministro da Saúde, para apresentar suas propostas e preocupações sobre a política de saúde mental no Brasil, e expressar suas expectativas de continuidade do processo de reforma psiquiátrica no país.
Nosso país tem uma legislação de saúde mental que assegura os direitos humanos e sociais dos usuários dos serviços de saúde e determina que o modelo de atenção deva ser de base comunitária. A lei 10.216, de 2001, é reconhecida pelos trabalhadores da saúde pública e intersetoriais, usuários e familiares, e pela sociedade, como um marco legítimo e efetivo para garantir o avanço da política pública em saúde mental.
Além disso, a política de reforma psiquiátrica constitui um consenso internacional também na área de direitos humanos, ratificada em inúmeras convenções da ONU assinadas pelo governo brasileiro, como também pela legislação brasileira, que ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, que também inclui as pessoas com transtorno mental, no Decreto n.o 6.949, de 2009, que tem o mesmo status jurídico da Constituição Brasileira. Hoje, o Brasil é reconhecido internacionalmente como uma referência exemplar de política de saúde mental e de reforma psiquiátrica, seguindo os parâmetros chaves da Organização Mundial de Saúde e Organização Panamericana de Saúde, tais como exposto no Plano de Ação de Saúde Mental (2013-2020) da OMS e no Plano Regional de Saúde Mental 2015-2020 da OPS, bem como nos consensos regionais, como o da Declaração de Caracas (1990), da Declaração de Brasília (2005) e do Consenso de Brasília (2013).
Até o primeiro ano deste século, a saúde pública brasileira destinava 90% dos recursos financeiros para hospitais psiquiátricos, e apenas um resíduo de financiamento para os recursos comunitários. Com isto, a barreira de acesso ao tratamento era intransponível, pois não existiam, em número suficiente, serviços comunitários, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Ambulatórios, Residências Terapêuticas. Da mesma forma, a atenção básica não realizava sistematicamente ações de saúde mental.
Na mudança do modelo, os leitos hospitalares foram reduzidos gradualmente, com mecanismos de gestão que o Ministério da Saúde adotou, de modo a assegurar que os hospitais fossem reduzindo progressivamente seu porte. Desta forma, hoje não existem mais macro-hospitais asilares no país. Quando necessárias, as internações são feitas em CAPS-III (que têm leitos disponíveis), hospitais gerais (que precisam ser ampliados) e em hospitais psiquiátricos de menor porte.
Como resultado de uma luta e mobilização que se iniciaram ainda nos anos 80 do século passado, atravessando o processo de redemocratização do país, com a Constituinte de 1988 e a criação do SUS em 1990, foram convocadas quatro grandes e representativas Conferências Nacionais de Saúde Mental (a partir da segunda, em 1992, com a participação de usuários e familiares como delegados), que ajudaram a construir coletivamente, em diálogo permanente e produtivo com a gestão do SUS nos âmbitos federal, estadual e municipal, as bases teóricas, práticas e programáticas de um sólido processo de reforma da atenção em saúde mental. Todo este processo, complexo e ainda em construção, mudou o cenário da assistência pública em saúde mental no país.
Hoje o Brasil conta com mais de 2.300 CAPS, nos quais trabalham mais de 30.000 profissionais de saúde mental (técnicos de enfermagem, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, oficineiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais). Existem 700 serviços residenciais terapêuticos, e cerca de 1.200 Núcleos de Apoio à Saúde da Família, que asseguram a ampliação e qualificação das ações de saúde mental na atenção básica. Assim, hoje somos milhares de profissionais, trabalhadores, usuários e familiares, que lutamos pela qualidade dos serviços e pela continuidade da política de reforma psiquiátrica, como um movimento social ativo. Por exemplo, em 2009, realizamos a Marcha dos Usuários à Brasília, com cerca de 2.500 pessoas, e conquistamos a realização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, realizada em 2010.
É necessário assegurar que a reforma seja aprofundada e possa seguir avançando em todas as regiões do país. Para isto, as associações e entidades abaixo desejam apresentam suas considerações e expectativas ao Sr. Ministro.
CFP – Conselho Federal de Psicologia
Presidência da ABRASCO (Prof. Gastão Wagner de Sousa Campos, presidente da Abrasco)
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
SOBRAVIME – Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos
Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária – CNBB
Frente Nacional contra a Privatização de Saúde
Fórum de Saúde do Rio de Janeiro
World Association for Psychosocial Reabilitation – Capítulo Brasileiro
Projeto Transversões – Projeto Integrado de Pesquisa Saúde Mental, Desinstitucionalização e Abordagens Psicossociais – ESS/UFRJ, Rio de Janeiro.
NUPSAM – Núcleo de Pesquisa em Política Pública de Saúde Mental – IPUB / UFRJ
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicopatologia e Subjetividade – IPUB/UFRJ
CRP-05 – Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
Grupo de Estudos em Políticas Públicas Fênix da UFES – Espírito Santo
Grupo de Pesquisa Saúde Mental e Saúde Coletiva da UNESP de Assis, São Paulo
Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro
Grupo de Trabalho em Saúde Mental (GTSM/EPSJV – Fiocruz, Rio de Janeiro)
Estudos de Saúde Mental e Economia Solidária da USP – São Paulo
DEPSM – Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental da ABEn – Associação Brasileira de Enfermagem.
CAPSi CARIM/IPUB/UFRJ
CAPSi João de Barro – Rio de Janeiro
Equipe Clínico-Política do Rio de Janeiro.
Instituto Projetos Terapêuticos de São Paulo
Programa de Residência Multiprofissional de Saúde Mental do IPUB|UFRJ – Rio de Janeiro
Associação de Usuários, Familiares e Interessados na Saúde Mental do PIAUÍ – ÂNCORA
CAPS de Luzilândia – Piauí
Centro Camara de Pesquisa e Apoio à Infancia e Adolescência;
Centro Regional de Referência para Educação Permanente em Álcool e Outras Drogas, para profissionais rede SUS e SUAS da Universidade Federal do Piauí;
Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo
Coordenação da Residência Psiquiátrica de São Bernardo do Campo
Coordenação Municipal de Saúde – São Bernardo do Campo
Federação Nacional dos Psicólogos
Fórum Permanente Interinstitucional para o Atendimento em Saúde Mental de Criança e Adolescentes do Estado do Rio de Janeiro
FÊNIX – Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Saúde Mental – Parnaíba-PI
Fórum Permanente Interinstitucional em Atenção ao Uso de Álcool e outras Drogas do Estado do Rio de Janeiro
Gerência de Saúde Mental – Secretaria de Estado de Saúde /Rio de Janeiro
Grupo de pesquisa Integra: Estudos, Intervenção e Educação em Psicologia, Cronicidades e Políticas Públicas em Saúde. PCL/IP/UnB, Brasília
Grupo de pesquisa Transversalizando da UFPA, Belém
Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo
Observatório Nacional de Saúde Mental e Justiça Criminal – UFF, Niterói
ONG Fraternidade o Amor é a Resposta – PI;
Secretaria Municipal de Saúde – São Bernardo do Campo
Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública, com núcleos em vários estados do Brasil
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial
Área Técnica de Saúde Mental – Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre/RS
Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primaria e Saúde – UERJ, Rio de Janeiro
Associação de Saúde Mental Juliano Moreira – APACOJUM, Rio de Janeiro.
Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Dependência Química – UFPB, João Pessoa
Associação “Mente Ativa”, de São Bernardo do Campo, São Paulo
Sindicato do Psicólogos do Estado do Piauí – SINDPSI-PI
Fórum de Trabalhadores da Saúde Mental do Pará
Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Mental e Atenção Psicossocial – NEPS – FSS – UERJ, Rio de janeiro
Grupo de Pesquisa Políticas em Saúde Mental e Enfermagem – EEUSP, São Paulo
AMOCAIS – Associação de Amigos do Cais do Núcleo de Atenção Psicossocial do Instituto Municipal Philippe Pinel, Rio de Janeiro
Centro Regional de Referência para a Formação Permanente em Álcool e Outras Drogas para Profissionais das Redes SUS e SUAS . CRR – UFRJ Macaé
Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (LEIPSI) da UNICAMP, Campinas
Margens Clinicas, São Paulo
Instituto Projetos Terapêuticos, São Paulo
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP
Observatório de Saúde Mental da UFRN, Natal
Centro Regional de Referência da UFRN, Natal
CAPSi Pequeno Hans, Rio de Janeiro
Centro Camará de Pesquisa e Apoio à Infância e Adolescência, São Vicente, São Paulo.
Laço Analítico Escola de Psicanálise, com sedes e núcleos no Rio de Janeiro (RJ), Varginha (MG),
Cuiabá (MT), Florianópolis (SC), e Manaus (AM)
Espaço Artaud – São João del Rey, MG
Núcleo de Estudo, Pesquisa e Intervenção em Saúde (NEPIS/UFSJ), São João D el Rey, MG
AFAUCEP – Associação de Usuários, familiares e Amigos do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro