Carboidrato e sedentarismo deixam índios diabéticos em MT, diz pesquisa

Redação PH

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Carboidrato e sedentarismo deixam índios diabéticos em MT, diz pesquisa

Índios xavantes das terras indígenas de Sangradouro e São Marcos, em Mato Grosso, estão sofrendo uma epidemia de diabetes, com índices de prevalência da doença em 28,2% da população adulta – valor quatro vezes maior que a média no país. A constatação é de uma pesquisa desenvolvida com 948 adultos das duas terras indígenas.

De acordo com o estudo, que também aponta obesidade em 50,8% desta população xavante, a epidemia de diabetes tem relação direta com a perda da cultura e dos hábitos alimentares dos indígenas, que têm consumido açúcar e alimentos industrializados.

Publicado em 2014 na revista científica Ethnicity & Disease, o estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desde 2011 nas terras indígenas Sangradouro (perto dos municípios de General Carneiro, Poxoréu e Novo São Joaquim) e São Marcos (próxima a Barra do Garças), ambas de ocupação tradicional no leste do estado. Juntas, as reservas abrigam mais de 3,7 mil índios, segundo a organização Instituto Socioambiental (ISA).

O caso vem sendo acompanhado há cerca de uma década pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na tentativa de fazer com que, aos poucos, os índios mudem os hábitos alimentares, segundo o indigenista Gabriel Gomes Muria, que atua na região do Araguaia.

Com base nas medições de glicemia entre os índios, os pesquisadores constataram prevalência de diabetes do tipo 2 em 18,4% dos adultos homens e em 40,6% das mulheres. Os índices extrapolam significativamente a média de prevalência da doença na população brasileira em geral, que é de 7%, enfatiza o pesquisador João Paulo Botelho Vieira Filho – que estuda os xavantes das terras indígenas de Mato Grosso desde 1976.

Ao lado dos pesquisadores Regina Moisés e Laércio Franco, Botelho identificou também que 32,3% da população de Sangradouro e São Marcos já possuem predisposição a desenvolver diabetes porque apresentaram índices glicêmicos alterados.

Somado à prevalência do diabetes na população xavante, o índice de glicemia alterada aponta que pelo menos 60,5% dos índios de Sangradouro e São Marcos apresentam distúrbios. E o quadro se agrava ainda mais com a constatação de que 50,8% dos índios estudados já sofrem de obesidade.

“Isso é uma tragédia, é uma epidemia de diabetes. Nas mulheres, o diabetes condiciona abortamentos e malformações. Há uma moça de 16 anos com catarata. Temos quatro amputados em Sangradouro por gangrena diabética e dois em São Marcos, um de pé e outro de dedo. Temos duas mulheres em São Marcos com nefropatia diabética que vão ter que fazer diálise permanente. Sem falar na dependência de insulina. Eles estão pagando um preço caríssimo. É preciso haver uma divulgação da tragédia que está ocorrendo”, alerta Botelho.

Alimentação e genética

Segundo o pesquisador, entre os fatores que provocaram os atuais índices de obesidade e de prevalência de diabetes entre os xavantes estão a predisposição genética e os processos de perda da cultura alimentar nas aldeias, bem como o sedentarismo.

Botelho explica que em 2010 foi identificado um gene exclusivo dos povos indígenas das Américas que, durante milênios, ajudou-os em períodos de fome e procriação a reter energia. Entretanto, em um contexto no qual eles já não enfrentam adversidades para obter alimentos, o mesmo gene tende a provocar sobrepeso e obesidade.

Além disso, os índios não passaram pelo longo processo de adaptação à sacarose, o açúcar amplamente utilizado como alimento no dia-a-dia. Ao contrário dos europeus e descendentes, que ao longo do tempo foram se adaptando ao consumo de açúcar sem criar grandes estoques de gordura corporal, os índios foram “apresentados” à sacarose só recentemente e tendem a sofrer mais os malefícios da substância.

A essa predisposição genética para acúmulo de gordura somam-se o processo de perda dos tradicionais hábitos alimentares e o sedentarismo. Dados o contato com a população das cidades no entorno e o acesso a itens comercializados, aos poucos os indígenas abandonaram sua rotina de caça e coleta e de cultivo em pequenas roças de alimentos como mandioca, cará, abóbora, batata doce, feijão e milho, entre outros.

Tem sido comum o consumo de refrigerantes, salgadinhos industrializados, pães, biscoitos, doces e demais produtos comercializados que se tornaram fáceis de se obter e que já são parte do cotidiano dos xavantes por conta do acesso ao dinheiro. Obtendo os alimentos no comércio, os índios deixaram de buscá-los na natureza e vêm se tornando cada vez mais sedentários – principalmente as mulheres, que agora também contam com botijões de gás para cozinhar nas aldeias, lembra Botelho.

“Eles eram coletores e caçadores por milênios e andavam atrás de comida todo dia. Depois, começaram com as pequenas roças de subsistência, mas não conheciam o açúcar que nós consumimos. Esse açúcar de absorção rápida é uma tragédia para eles. Eles têm de voltar à sua dieta tradicional”, insiste o pesquisador.

Tentativa de reversão

Faz mais de 10 anos que os indigenistas que acompanham esses indígenas na região do Araguaia vêm tentando mudar esse quadro, segundo Gabriel Gomes Muria, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que atua em Barra do Garças, cidade a 516 km de Cuiabá.

Para ele, esse é um dos maiores desafios das equipes de saúde que atuam junto ao povo Xavante dessa região. "Na última década houve uma transformação na forma de trabalhar a segurança alimentar dos povos indígenas, porque o caminho que estava tomando estava criando uma dependência da estatal", disse, ao citar que, atualmente, o arroz branco adquirido nos supermercados tem sido a principal base alimentar dos índios.

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