A ordem para falsificar os certificados de vacinação contra covid-19 de Jair Bolsonaro e de sua filha partiu do próprio ex-presidente. É o que consta no relatório da Polícia Federal (PF), que indiciou, além de Bolsonaro, outras 16 pessoas por crimes ligados à falsificação do certificado de vacinação para covid-19.
Ao menos nove pessoas teriam se beneficiado de um esquema montado pelo ajudante de ordens Mauro Cid, incluindo a esposa e três filhas, o ex-presidente e sua filha e o deputado Gutemberg Reis de Oliveira.
O sigilo sobre o relatório da PF foi retirado nesta terça-feira (19) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após partes do documento terem sido publicados pelo portal G1 no início do dia. Ele disse que, com a conclusão das investigações, “não há mais necessidade” para a manutenção do sigilo.
“Os elementos de prova coletados ao longo da presente investigação são convergentes em demonstrar que Jair Messias Bolsonaro agiu com consciência e vontade determinando que seu chefe da Ajudância de Ordens intermediasse a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha”, diz o documento.
Bolsonaro sempre negou que tenha tomado a vacina para covid-19. “Não existe adulteração da minha parte, não existe. Eu não tomei a vacina, ponto final”, disse Bolsonaro a jornalistas e maio de 2023, ao comentar as investigações.
Cid teria inserido informações falsas no sistema do Ministério da Saúde com o objetivo de facilitar a entrada e a saída nos Estados Unidos, burlando exigências sanitárias contra a covid-19 impostas pelos EUA e também pelo Brasil. Ambos países exigiam a vacinação contra doença para se cruzar a fronteira.
Em sua colaboração premiada, Mauro Cid confirmou todo o esquema e ainda afirmou “que imprimiu os certificados e entregou em mãos ao então presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, diz o relatório da PF.
Bolsonaro embarcou para os EUA com a família e auxiliares no dia 30 de dezembro, após derrota na eleição presidencial de 2022. No relatório, a PF faz uma relação da adulteração do cartão de vacina do então presidente com a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas. Para o delegado Fábio Alvarez Shor, a intenção de fraudar o documento está ligada a uma possível solicitação de permanência em outro país.
“O presente eixo relacionado ao uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens ilícitas, no caso a ‘Inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina’, pode ter sido utilizado pelo grupo para permitir que seus integrantes, após a tentativa inicial de Golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para entrada e permanência no exterior (cartão de vacina), aguardando a conclusão dos atos relacionados a nova tentativa de Golpe de Estado que eclodiu no dia 08 de janeiro de 2023”.
CGU
O relatório final da PF deve ser agora encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), que deverá examinar as evidências e decidir se apresenta denúncias no caso.
A conclusão de que é falso o registro de imunização contra a covid-19 que consta do cartão de vacinação de Bolsonaro foi tomada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em janeiro. A investigação originou-se de um pedido à Lei de Acesso à Informação (LAI) formulado no fim de 2022.
Os dados atuais do Ministério da Saúde, que aparecem no cartão de vacinação, apontam que o presidente se vacinou em 19 de julho de 2021 na Unidade Básica de Saúde (UBS) Parque Peruche, na zona norte de São Paulo. A CGU, no entanto, constatou que Bolsonaro não estava na capital paulista nessa data e que o lote de vacinação que consta no sistema da pasta não estava disponível naquela data na UBS onde teria ocorrido a imunização.
Defesa
Em seu perfil na rede social X, antigo Twitter, o advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten criticou a divulgação do indiciamento. “Vazamentos continuam aos montes, ou melhor aos litros. É lamentável quando a autoridade usa a imprensa para comunicar ato formal que logicamente deveria ter revestimento técnico e procedimental ao invés de midiático e parcial”, escreveu.
Em posts posteriores, Wajngarten disse que a defesa não teve acesso ao relatório e chamou o indiciamento do ex-presidente de “absurdo”. O defensor escreveu que “enquanto [Bolsonaro] exercia o cargo de Presidente, ele estava completamente dispensado de apresentar qualquer tipo de certificado nas suas viagens. Trata-se de perseguição política e tentativa de esvaziar o enorme capital político que só vem crescendo”.
Bolsonaro sempre negou que tenha tomado a vacina para covid-19. “Não existe adulteração da minha parte, não existe. Eu não tomei a vacina, ponto final”, disse Bolsonaro a jornalistas em maio de 2023, ao comentar as investigações.
O deputado federal Gutemberg Reis disse que não irá se manifestar até que sua defesa tenha acesso integral ao processo.
Em nota, a defesa de Camila Paulino Alves Soares, enfermeira indiciada por inserção de informação falsa no sistema da Saúde, disse que ela colaborou com a investigação e “aguardava uma possível nova declaração, ainda em sede de inquérito, para comprovar sua inocência”.
O advogado Jairo Magalhães acrescentou que sua cliente “confia na Justiça e em sua inocência e afirma que não foi ela que inseriu dados no sistema. Caso Camila seja denunciada, demonstraremos sua inocência na ação penal, com provas documentais e testemunhais”.
A Agência Brasil entrou em contato com a defesa de João Carlos Brecha, e aguarda retorno, bem como tenta contato com as defesas dos demais citados.
Confira abaixo a lista de indiciados no caso e os crimes imputados:
Jair Messias Bolsonaro
- Associação criminosa
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
Mauro Cid
- Falsidade ideológica de documento público;
- Inserção de dados falsos em sistema de informações, na forma tentada;
- Uso de documento ideologicamente falso;
- Associação criminosa.
Gabriela Cid
- Falsidade ideológica de documento público;
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
- Falsidade ideológica de documento público com dados das filhas;
- Uso de documento ideologicamente falso.
Luiz Marcos dos Reis
- Falsidade ideológica de documento público;
- Inserção de dados falsos em sistema de informações, na forma tentada.
Farley Vinicius de Alcântara
- Falsidade ideológica de documento público;
- Inserção de dados falsos em sistema de informações, na forma tentada.
Eduardo Crespo Alves
- Inserção de dados falsos em sistema de informações, na forma tentada.
Paulo Sérgio da Costa Ferreira
- Inserção de dados falsos em sistema de informações, na forma tentada.
Ailton Gonçalves Barros
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
- Falsidade ideológica de documento público;
- Associação criminosa.
Marcelo Fernandes Holanda
- Inserção de dados falsos em sistema de informações.
Camila Paulino Alves Soares
- Inserção de dados falsos em sistema de informações.
João Carlos de Sousa Brecha
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
- Associação criminosa.
Max Guilherme Machado de Moura
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
- Uso de documento falso;
- Associação criminosa.
Sérgio Rocha Cordeiro
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
- Uso de documento falso;
- Associação criminosa.
Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
Célia Serrano da Silva
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
Gutemberg Reis de Oliveira
- Inserção de dados falsos em sistema de informações;
Marcelo Costa Câmara
- Crime de Inserção de dados falsos em sistema de informações