Audiência no STF tem manhã de reflexão religiosa sobre aborto

Audiência no STF tem manhã de reflexão religiosa sobre aborto
Agência Brasil

Audiência no STF tem manhã de reflexão religiosa sobre aborto

A audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) organizada para debater a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação foi marcada, na manhã de hoje (6), por discursos baseados em premissas constituições e reflexões teológicas e filosóficas – diferentemente de sexta-feira (3) quando cientistas e profissionais de saúde pautaram o debate por meio de pesquisas e números.

Mesmo com o apelo feito pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e pela ministra Rosa Weber, que conduz os trabalhos, o segundo dia de audiência pública foi marcado por diversas manifestações dos presentes.

A mais aplaudida, sendo aclamada de pé pela maior parte dos presentes no plenário da Primeira Turma do STF, foi a pastora evangélica Lusmarina Garcia, que proferiu uma das poucas falas favoráveis à descriminalização, dentre os 11 representantes religiosos.

Favoráveis à descriminalização

Representando o Instituto de Estudos da Religião e teóloga e mestre em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lusmarina ressaltou o que considera uma motivação patriarcal para a posição de muitas entidades religiosas contrárias ao aborto. Ela defendeu um estado laico e políticas públicas baseadas no conhecimento.

“Há séculos um cristianismo patriarcalizado é o responsável por penalizar e legitimar a morte de mulheres”, disse Lusmarina.

“Uma parte das tradições religiosas, que são construções históricas, insiste em disseminar a misoginia”, acrescentou. Segundo ela, a mulher foi relegada a um papel secundário na construção do cristianismo, o que se reflete nas posições defendidas hoje por diversas igrejas.

Lusmarina disse ainda que o aborto é praticado por “mulheres comuns e de fé como evangélicas, católicas e espíritas. Essas mulheres comuns, mulheres de fé, devem ser consideradas criminosas?”, questionou. “Gostaria de dizer a cada uma delas: vocês não estão sozinhas e vocês não são criminosas”, respondeu.

Segunda a defender a descriminalização, a socióloga Maria José Fontelas, do Católicas pelo Direito de Decidir, engrossou o tom ao questionar: “O que falta dizer para defender a vida das mulheres?”.

A professora citou manifestações do Papa Francisco, que ofereceu aos padres a possibilidade de conceder o perdão às mulheres que abortaram e se sentiam culpadas. “A Igreja sempre mudou quando percebeu que a sociedade mudava. Foi assim com respeito à escravidão. Por que não poderia reconsiderar sua posição em relação ao aborto?”, indagou.

A defesa da descriminalização ganhou o apoio da Confederação Israelita do Brasil. Em tom mais leve, o rabino Michel Schlesinger disse que sua opinião sobre o tema seria apresentada como uma sugestão:

“tomem o cuidado de não tomar nenhuma decisão pela pessoa que vai no final das contas pagar o preço de uma decisão ou não”. Ao lembrar que o fundamento bíblico é o de escolher pela vida.

“Mas, o que significa escolher a vida em cada uma das circunstências? Qual a vida? Qual o aspecto da vida? Saúde mental também é vida”, questionou ao esclarecer que a tradição judaica entendeu que durante a gravidez não existe a vida completa e autônoma, mas a possibilidade de vida.

“Essa possibilidade de vida é sim sagrada e deve ser preservada, mas segue em debate”, ou seja, a vida da mulher e sua integridade estão acima da sobrevivência do feto ou do bebê até o último instante do parto. “É uma espécie de legítima defesa”, disse.

O rabino concluiu destacando a aproximação do papel das instituições religiosas e do Estado. “Recomendo que o Estado monte equipes multidisciplinares para aconselhar e acolher essas mulheres. Temos uma oportunidade de sermos relevantes num momento tão crítico na vida de uma mulher e seu retorno. E só o seremos se nossa postura for de acolhimento. No final, a escolha do indivíduo será tomada, conosco ou apesar de nós”.

Maioria contrária

A maior parte dos expositores convidados para esta segunda, no entanto, criticou a possível mudança da lei para permitir o aborto até a 12ª semana de gestação, como pede a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da qual Rosa Weber é relatora.

Do rol de 11 entidades ligadas a diferentes religiões que estiveram presentes, representantes de sete delas rechaçaram a possibilidade de uma mudança da lei penal. Atualmente, no país, a interrupção da gravidez é considerada legal somente em casos de estupro, de gestação de fetos anencéfalos ou caso a gestante esteja correndo risco de vida.

O teólogo e professor universitário Douglas Roberto de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleias de Deus, defendeu que a vida começa a partir da concepção, momento a partir do qual a Constituição garante proteção à vida.

“Toda pessoa tem o direito a sua vida. Este direito tem que ser protegido pela lei desde o momento da sua concepção. Militantes da cultura da morte questionam quando ocorre o início da vida”, afirmou. Baptista ainda questionou os argumentos favoráveis à descriminalização do aborto acusando “de estarem plenos de viés ideológico, politico-partidário”.

“Não existe preceito fundamental para matar inocentes. Essa ADPF não merece prosperar porque o abortamento está em desacordo com a moral dos brasileiros”, afirmou, citando o Censo de 2010. “Mais de 85% dos brasileiros professam a fé cristã e o fato de tirar a vida é atentado à lei da moral e ética da fé cristã”, disse. Segundo ele, os “militantes abortistas” não aceitam que o assunto seja submetido a um plebiscito porque a maior parte da população não aprovaria.

Em tom mais moderado, o professor e integrante da Convenção Batista Brasileira, Lourenço Stelio Rega, apresentou uma espécie de aula sobre diferentes correntes filosóficas sobre a vida e de genética.

Ele defendeu que o embrião “não deve ser objeto de descarte como um aglomerado celular” e alertou que mais do que discutir a permissão ou não do procedimento, o Estado precisa discutir como reduzir os números de aborto garantindo condições seguras e protetivas para as mulheres.

“A vontade da gestante não pode desconsiderar que um ser-outro tem a sua própria identificação genética que permanecerá até o termo da vida. O embrião humano é um ser, uma pessoa, uma personalidade”, disse.

Após breve intervalo para almoço, a audiência será retomada às 14h30, com a manifestação de mais 13 palestrantes, dessa vez representando entidades e órgãos jurídicos, como a Defensoria Pública da União, e também outras ligadas à defesa dos direitos humanos.

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