Trinta e cinco dias após revelar uma crise financeira bilionária que culminou em um pedido de recuperação judicial, a empresa 123milhas segue vendendo passagens aéreas, hospedagens em hotéis e pacotes de viagens para vários países.
A situação foi alvo de questionamentos de clientes da companhia que não poderão viajar na data prevista, já que a empresa suspendeu a emissão de tíquetes comprados até 18 de agosto deste ano para viagens previstas para acontecer entre setembro e dezembro de 2023.
“Então a 123 Milhas continua vendendo passagem aérea?”, escreveu um internauta. “Deles a gente não se surpreende, né?”, comentou outro.
Um levantamento realizado pelo R7 mostra que a negociação no portal da empresa está com fluxo normal. É possível comprar serviços para curto ou longo prazo. Há, inclusive, anúncio de passagens com 50% de desconto.
Pelas simulações, foi possível encontrar passagens aéreas, de ida e volta, entre Guarulhos (SP) e Nova York, nos Estados Unidos, para março de 2024, por R$ 3.552. O trecho só de ida para o Rio de Janeiro saindo de Confins, na Grande BH, é oferecido por R$ 249.
Afinal, a 123milhas pode continuar a vender os serviços enquanto tenta na Justiça um processo de recuperação? A resposta é sim, segundo Sérgio Mourão Correia Lima, professor de direito empresarial na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e advogado especializado em falência e recuperação judicial.
“Ao contrário do que se pensa, é exigido por lei que a empresa continue operando. Se ela estiver parada, não pode passar por recuperação judicial. Neste caso, teria que decretar falência”, explicou ao R7.
Na prática, o processo de recuperação judicial é um mecanismo que empresas em crise usam para evitar a falência. Quando uma companhia tem autorização da Justiça para seguir o trâmite, as ações de cobrança de dívida contra ela ficam congeladas por até 180 dias. Neste período, os gestores precisam apresentar estratégias para pagar os credores.
No caso da 123milhas, a suspensão dos pagamentos vale para as transações realizadas até o dia 29 de agosto deste ano, quando a companhia abriu pedido de recuperação. As dívidas contraídas até a data só ganharão previsão de pagamento no decorrer do processo.
Novas estimativas mostram que aproximadamente 770 mil credores foram lesados pela agência, em um rombo próximo de R$ 2,3 bilhões. Apenas no Rio de Janeiro, o Procon estadual recebeu 2.210 reclamações contra a 123milhas. O órgão tentou marcar audiências de conciliação com clientes que tiveram a emissão de passagens cancelada, mas os pedidos foram negados, informou a instituição.
“A empresa está impedida judicialmente de fazer pagamentos referentes a transações realizadas até 29/08/2023, justamente para garantir a isonomia entre os credores. Mas reitera que compras e reservas posteriores ao dia 29 de agosto não sofreram qualquer alteração”, declarou a 123milhas em comunicado enviado ao R7.
Novos contratos
O advogado Sérgio Mourão Correia Lima ressalta que os novos clientes precisam ficar atentos ao fornecimento dos serviços contratados. Em caso de descumprimento, os órgãos fiscalizadores precisam ser acionados.
“Se a empresa não cumprir com os novos compromissos, ela pode ter a falência decretada. Monitorar isto é uma das funções dos administradores judiciais. Eles fiscalizam, entre outras coisas, se a empresa está funcionando, se está descumprindo medidas e se está arrecadando mais do que gastando”, alerta.
Apesar de a empresa garantir que os novos contratos serão honrados, o futuro da companhia é incerto. Na quarta-feira (20), um desembargador do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) paralisou o trâmite da recuperação judicial. A medida vale até a realização de uma perícia para avaliar se a empresa tem condições reais de se recuperar ou se deve decretar falência.
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho acolheu um recurso do Banco do Brasil. Na visão da instituição, a 123 não forneceu os dados necessários para o início da recuperação judicial nem apresentou informações econômicas capazes de fazer um raio-X da saúde financeira da empresa. O congelamento dos processos, no entanto, foi mantido.
“Os consumidores não têm nada a fazer. Agora, eles precisam esperar. Uma perícia desse porte, com tamanho número de credores, pode demorar. O prazo vai depender se a documentação da empresa está ou não organizada. Se estiver, será mais fácil”, disse o advogado Sérgio Mourão Correia Lima ao declarar que não é possível prever um prazo para o fim do processo.
Em nota, a 123milhas afirmou que “permanece fornecendo dados, informações e esclarecimentos às autoridades competentes sempre que solicitados”. “A empresa e seus gestores se disponibilizam, em linha com seus compromissos com a transparência e a ética, a construir conjuntamente medidas que possibilitem pagar seus débitos, recompor sua receita e, assim, continuar a contribuir com o setor turístico brasileiro”, pontuou.
A companhia ainda informou que, em caso de dúvidas, os clientes devem acessar os canais oficiais da empresa disponibilizados em http://123milhas.com/central-de-ajuda.