Brasil: sonho de vida para milhares de haitianos

Redação PH

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Brasil: sonho de vida para milhares de haitianos

Era uma vez um país que ficava em uma ilha entre a América do Norte e a América do Sul. Seu povo era sofrido, castigado por séculos de exploração, corrupção e violência. Cerca de 80% da população vivia na miséria.

Um dia, mais precisamente em 12 de janeiro de 2010, o povo do Haiti recebeu mais um golpe do destino: um terremoto abalou a ilha, matando 300 mil pessoas e afetando outros três milhões de habitantes, terminando de despedaçar uma economia já em frangalhos.

O resultado da tragédia foi uma migração em massa, e quem ainda tinha um pouco de dinheiro entregou tudo para os coiotes, como são chamados aqueles que facilitam a entrada ilegal de pessoas em outro país.

O Brasil, que comandou a missão da força de paz da ONU no Haiti após o terremoto, passou então a ser referência para os haitianos.

A maioria dos haitianos que vieram e que ainda vem para o Brasil sai da capital, Porto Príncipe. Eles vão de ônibus até Santo Domingo, a capital da vizinha República Dominicana, depois voam para o Panamá e pegam um avião ou ônibus para Quito, no Equador. A viagem continua por várias cidades do Peru até chegar ao Estado do Acre, no Brasil.

Cobertores usados na Missão Paz. Foto: Caetano Cury/Rádio Bandeirantes

Esse foi o caminho que a haitiana Abel Martini, de 30 anos, percorreu. Ela contou que os coiotes, além de cobrarem pela viagem, também ficaram com seu dinheiro e celular, depois de enganá-la dizendo que os objetos seriam confiscados pela polícia e que por isso eles os guardariam e depois os devolveriam no Brasil.

“Eu cheguei sem nada, com minha mala, só”, lembra Abel. “Quando cheguei, pedi ajuda para minha família, de novo.”

Sudeste é o destino dos haitianos

Assim como para a grande maioria dos haitianos que chega ao Brasil, o Acre era apenas uma escala na longa viagem de Abel Martini, que a exemplo dos compatriotas imigrantes queria ir para o Sudeste do país.

Quando finalmente pisou em São Paulo, Abel foi acolhida por um projeto da igreja católica voltado para imigrantes chamado Missão Paz, que existe em mais de 30 países.

Na capital paulista, a missão é liderada pelo padre italiano Paolo Parisi. Desde o terremoto de 2010 até o fim do ano passado, 46.261 haitianos entraram no Brasil, segundo o Ministério da Justiça – cerca de 25% deles passaram pela igreja do religioso europeu.

Segundo o padre, atualmente entram no Acre entre 40 e 60 haitianos por dia, que acabam superlotando o abrigo montado para recebê-los. O local comporta 250 pessoas, mas costuma acolher 800.

Padre Paolo Parisi, líder da Missão Paz. Foto: Caetano Cury/Rádio Bandeirantes

“É típico da redes de migração: vem o primeiro grupo, dá certo, e começa a chamar o colega, cria-se uma bola que vai crescendo”, afirma Parisi.

O padre ressalta, porém, que apesar de parecer que chega muita gente ao país, o fluxo de imigrantes é muito pequeno se comparado a outros países.

“O Brasil não está com um grande fluxo migratório, porque não chega a 1% da população”, explica. “A média mundial é de 3%, sem contar países como Itália, Alemanha, Estados Unidos e outros, que chegam a ter 10%, 15%, da população local (de imigrantes).”

Cerca de 180 haitianos costumam dormir nos abrigos da Missão Paz. Eles ficam no local por no máximo uma semana e meia e depois vão embora, em busca de independência. Diariamente chegam na igreja de 10 a 20 haitianos, mas há cerca de um mês todo dia chegava um ônibus lotado.

“Lembramos que o Ministério da Justiça passou verbas para o governo do Acre, milhões, para fretar ônibus e fazê-los chegar em São Paulo. Há um mês atrás o governo do Acre não conseguiu fazer isso por causa da dívida com as empresas, que chegou a R$ 3 milhões”, conta o padre Paolo. “Aí eles (haitianos) começaram a se virar sozinhos.”

Falta política efetiva para empregar imigrantes

Há um ano, quando os haitianos ganharam passagem de ônibus do governo do Acre e começaram a chegar em maior número na capital paulista, o governo do Estado de São Paulo e a prefeitura viram a necessidade de criar programas de acolhimento, que já estão funcionando.

O Ministério da Justiça do Governo Federal, diz que os imigrantes haitianos são cobertos pelas garantias, direitos e deveres reconhecidos no regime geral de migrações e o governo apoia as estratégias de acolhimento no Acre e em São Paulo.

Para o coordenador de política para migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Paulo Iles, é preciso ir além. “Não podemos ter simplesmente uma política de criar abrigos na cidade de São Paulo. Nós temos que questionar o modelo, justamente, de que esta migração está acontecendo. Por que ele não sai com um visto de Porto Príncipe e vai direto para um emprego?”

Tanto funcionários da prefeitura como do governo estadual pregam que o país precisa facilitar a emissão de carteira profissional para os imigrantes. Hoje, quem vem de outro país só consegue o documento em um posto do Ministério do Trabalho, que não existe em todas as cidades.

Em março deste ano, inconformados com a espera de 45 dias para conseguir a carteira de trabalho, o Ministério Público Federal em São Paulo e a Defensoria Pública da União ajuizaram um ação para garantir a emissão do documento para os imigrantes em no máximo 15 dias.

No sul do país, principalmente no interior de Santa Catarina, a moda agora é trabalhar em frigoríficos. Cada empregado recebe R$ 930 por mês e ganha alojamento e alimentação. Sem despesas com moradia e comida, dá pra mandar dinheiro para os familiares que ficaram no Haiti.

No ano passado, em São Paulo, as empresas da construção civil eram as que mais contratavam. Este ano quem mais emprega são empresas que prestam serviço, principalmente de limpeza.

Só nesta semana, por exemplo, uma empresa terceirizada que cuida da coleta de lixo e da varrição de rua em São Paulo empregou 49 haitianos, com o estímulo da prefeitura.

Mas nem todos conseguem um posto de trabalho digno. Entre 2013 e 2014 pelo menos 230 imigrantes haitianos foram resgatados de trabalhos em condições análogas à escravidão no Brasil.

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